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Medidas anti-imigratórias de Trump

Medidas anti-imigratórias de Trump afetam empresas e universidades americanas
As novas políticas prejudicam companhias e faculdades, além de ameaçar os 43 milhões de imigrantes vivem nos EUA, dos quais 11 milhões são ilegais.
Por Isabella Marques e Juliana Martinelli

Até a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos neste ano, o país caminhava, principalmente durante o governo de Barack Obama, para uma maior abertura aos imigrantes.
É verdade que o ex-presidente americano foi quem mais deportou imigrantes ilegais, porém, nenhuma ideologia se compara a do novo líder. O atual presidente diversas vezes já afirmou que, durante o antigo governo, cristãos do Oriente Médio tinham dificuldades de entrar no país, enquanto muçulmanos tinham prioridade.
Em 2016, no entanto, foram admitidos quase o mesmo número de ambas as religiões: 37.500 cristãos e 38.900 muçulmanos.
Desde o início de sua campanha, Trump fez promessas marcadas pela intolerância. O maior exemplo disso é, sem dúvidas, a construção de um muro na fronteira entre os EUA e México. Quando se soma às promessas do registro de muçulmanos e um aumento nas deportações, o cenário beira a xenofobia.
Após chegada ao poder, foi estabelecida uma nova política de imigração, que, entre outras mudanças, intensificou a deportação expressa para quem não conseguir comprovar a morada contínua nos EUA por no mínimo dois anos.
Os refugiados e imigrantes de países de maioria muçulmana também sofreram retaliações: já nos primeiros 100 dias do mandato, foi suspensa por 90 dias a entrada de refugiados e imigrantes, mesmo daqueles com permissão de residência ou visto válido, de sete países. Entre os contemplados, destaca-se Síria, Irã, Sudão e Iraque.
No dia 25 deste mês, Venezuela e Coreia do Norte, também passaram a figurar nessa lista, sob a alegação de que tornar o país seguro é a prioridade número um do governo Trump.
Na ocasião do anúncio da primeira suspensão, em janeiro, tal medida em muito desagradou as empresas que possuem grande quantidade de funcionários imigrantes, principalmente as gigantes da tecnologia, ou seja, as companhias do Vale do Silício, a joia da coroa tecnológica estadunidense.
O primeiro a se pronunciar à respeito foi o Facebook, com uma postagem em seu mural. O Google enviou uma mensagem aos funcionários dos países afetados fora dos Estados Unidos voltassem imediatamente. Seu cofundador, Sergey Brin, se juntou ao protesto que ganhava força no Aeroporto de San Francisco.
Segundo o índice do Vale do Silício, em 2016, os estrangeiros eram 37,4% da mão de obra dessas empresas.
Airbnb, Netflix, Microsoft, Uber e Twitter foram algumas das empresas que se mobilizaram com a causa, posicionando-se contra a decisão seja por comunicados internos ou declarações oficiais. Reed Hastings, diretor-executivo da Netflix escreveu em seu perfil do Facebook: “As medidas afetam os trabalhadores da Netflix em todo o mundo. É hora de nos unirmos para proteger os valores americanos de liberdade e de oportunidades”.
A Apple também quebrou o silêncio. Tim Cook, diretor-executivo da empresa, afirmou que, sem a imigração, a empresa não existiria. A foto de Steve Jobs, filho de imigrantes sírios, tornou-se uma espécie de simbologia para o posicionamento.
No dia 5 de fevereiro deste ano, quase 100 empresas levaram ao tribunal um documento que representa a insatisfação com o decreto migratório. Cerca de um mês depois, Trump, no que aparenta ser uma ação de retaliação, suspendeu o visto expresso.
Trata-se de um visto de trabalho para pessoas com diploma universitário e talentos que não podem ser encontrados dentre os cidadãos americanos, conforme precisa provar a empresa no momento de solicitação. O trâmite para esse tipo de visto leva cerca de duas semanas, enquanto o convencional é burocrático e pode levar até oito meses.

O fim do DACA
Avançando alguns meses no ano, o último dia 5 foi marcado por mais um capítulo da relação entre a imigração e o governo Trump. O presidente anunciou o fim do DACA (sigla em inglês para Deferred Action for Childhood Arrivals).
O programa, criado em 2012 durante a administração de Obama, tinha o objetivo de regularizar temporariamente a situação de imigrantes ilegais sem passagem pela polícia e chegados ao país ainda menores de idade, os chamados dreamers (sonhadores, em português).  
Segundo uma pesquisa do site Politico, 78% dos eleitores registrados são favoráveis à regularização dessas pessoas. 16 Estados apresentaram uma ação conjunta contra a medida do atual presidente. O líder respondeu com uma mensagem no Twitter: “Nós somos uma nação de leis. Não vamos incentivar a imigração ilegal”.
A soma daqueles que antes eram contemplados pelo programa e hoje são diretamente prejudicados por seu fim gira em torno de 800 mil. Desses, cerca de 620 mil são mexicanos. Por chegarem tão novos aos EUA, muitos desses imigrantes nem sequer falam a língua do país de origem.
O chanceler mexicano, Luis Videgaray, declarou que, mesmo tendo ciência do descontentamento dos dreamers em voltar para o México, o país está se preparando para recebê-los de volta. Os regressados voluntários ou deportados contarão, por exemplo, com uma oferta maior e específica de trabalhos correspondentes aos talentos conquistados em solo americano.
“Falamos de jovens com uma excelente formação, talentosos, disciplinados, cumpridores da lei, mais de 30% têm carreiras universitárias. Para o México, seria uma sorte extraordinária recebê-los. O México sairia ganhando”, declarou Videgaray.

O “sonho americano” não é somente americano
Da mesma forma como o México ganha ao receber os jovens dreamers, os EUA perdem ao deporta-los. Além de dispensar grandes talentos, extingue também mão de obra e o investimento que esses imigrantes fazem no país. O ensino americano, por exemplo, se tornou cada vez mais dependente do dinheiro trazido pelos estrangeiros. Somente em 2015, os estudantes imigrantes desembolsaram cerca de US$ 30,5 bilhões.
Em se tratando do ensino universitário, o número de jovens interessados em ingressar nas faculdades americanas é alto.  Em 2015, o Brasil foi o 6° país a mandar mais intercambistas para os EUA, 23.765 estudantes. A China figura em primeiro lugar, tendo enviado mais de 300 mil alunos, seguido por Índia (132.800 estudantes), Coréia do Sul (63.700), Arábia Saudita (59.900) e Canadá (27.240).
As novas políticas de imigração do atual governo entram em divergência direta com esses números. De acordo com William Tierney, professor e codiretor da Universidade do Sul da Califórnia “as políticas do presidente Trump são um desastre para as universidades”.
O pensamento não é diferente na visão dos alunos: “Opiniões diferentes dão vida a novas teorias científicas, formas criativas de arte e projetos inovadores de arquitetura. A perda de imigrantes vai afetar diretamente várias áreas desses tipos de atuação”, afirma a aluna espanhola Paloma Sanchez, 19, estudante de gestão de negócios em Bluefield College.
Apesar de possuir a fama de ser o país da oportunidade, todas essas novas políticas do presidente recém eleito têm acabado com o status de “terra dos sonhos” para os intercambistas que pretendiam ou ainda pretendem ter uma vida lá, como explica a brasileira Nicole Benedito, 20 anos, estudante de biologia e pré-medicina na Virginia, “eu temo que um dia não seremos mais bem aceitos nesse país”.
Enquanto o presidente continua investindo em leis anti-imigração, em geral as universidades segue pelo caminho oposto, assim como as empresas do Vale do Silício. Elas investem em estudantes imigrantes, incentivam seu desenvolvimento e prezam por talentos vindos do exterior. Várias delas emitiram notas oficiais com o posicionamento da instituição acerca do assunto.
O presidente da Universidade Duke, por exemplo, publicou uma carta em nome da faculdade e endereçada diretamente a Trump. “Na [Univesidade] Duke, todos os nossos alunos, incluindo aqueles que não são cidadãos, são inestimáveis para o ensino que fazemos na sala de aula, para a pesquisa que desenvolvemos no laboratório e para as descobertas que realizamos no centro médico”, diz a publicação.
Outra escola superior a se pronunciar foi a Universidade da Pensilvânia que, apesar de não mencionar Donald Trump diretamente, emitiu comunicado afirmando permanecer de portas abertas ao mundo. O campus é lar de mais de 5 mil estudantes internacionais, aos quais provê todo o suporte necessário, apesar dos recentes decretos presidenciais.
Apesar de todas essas declarações, o futuro ainda é incerto e pouco positivo. Os imigrantes estão evitando até mesmo assistência médica com medo das revistas policiais que podem causar a deportação expressa.
Enquanto isso, as políticas seguem sendo aprovadas. “Definitivamente não ficou mais fácil permanecer nos Estados Unidos agora que Trump é presidente”, disse o imigrante austríaco Kevin Stoffle, 20 anos.
O muro pode não ter sido construído ainda - o primeiro protótipo começou a ser desenvolvido na última terça-feira (27) - mas já funciona na prática. A agressividade das medidas e do posicionamento do líder americano têm como consequência a queda drástica das tentativas de travessia ilegal.
Não só os muçulmanos, não só os mexicanos. Dentro e fora do país, aos poucos, o “sonho americano” se torna um pesadelo.
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Texto de nossa autoria. Foto é de reprodução.

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